O viver espírita na sociedade
André Luiz Peixinho
Expositor espírita/Diretor-presidente da Federação Espírita do Estado da Bahia
Após contabilizarmos como integrante do nosso patrimônio intelectual a vasta cosmovisão espírita que, sem desprezar o materialismo e seus benefícios em termos de tecnologia e progresso social, nos aponta para nossa natureza essencial de espírito imortal, para quem só há plena satisfação no eterno, cabe-nos indagar: o que deve ser o viver espírita na sociedade?
Numa primeira instância dizemos que tal viver deve se configurar como conduta moral de homens de bem, isto é, agir em conformidade com a lei de Deus, que preconiza atuarmos em benefício de todos. Esta lei está presente no mundo íntimo de cada um, sob a forma de uma consciência profunda que nos permite discernir nas situações concretas da vida cotidiana o certo e o errado. Evidente que ela só se manifesta se nos dispusermos a escutá-la, o que exige uma crença primordial na sua importância e na sua origem divina. Ainda assim, podemos, por inadequada escuta ou negação, tomarmos atitudes equivocadas, o que pode ser evitável em larga escala se adotarmos o preceito de só fazermos ou praticarmos em relação aos outros, aquilo que avaliamos ser benévolo para nós, em certo sentido, recordando o aforismo grego de que o homem é a medida das coisas.
Outra maneira de lidarmos com sucesso em relação às questões do bem e do mal consiste em nos dedicarmos ao autoconhecimento, pois, assim procedendo, estaremos nos aproximando da compreensão sobre as nossa motivações determinantes de nosso comportamento e nos ensejando oportunidade de aprimorarmos nossa percepção sobre possíveis benefícios ou prejuízos de nossas condutas. Portanto, continua válida a máxima do templo de Delfos “conhece-te a ti mesmo”, reeditada na proposta espírita de evolução consciente.
Muitos aspectos da Lei de Deus encontram-se analisados dialogicamente nas Leis Morais – 3ª parte de O Livro dos Espíritos – explicitando nossas possibilidades relacionais com Deus, o valor do trabalho e das nossas relações com os bens materiais, o significado da sexualidade e sua evolução, nossas reais necessidades de conservação, as questões espirituais relativas à destruição material, a importância da vida social para o progresso do espírito, e como este ocorre em meio às circunstâncias históricas, a caracterização da verdadeira igualdade entre os seres humanos, além das aparências de cor, casta, sexo, ideologia, etc..., a função e o exercício da liberdade, a prática da justiça e da caridade, tudo isto para alcançarmos a perfeição moral.
Se tomarmos esta gama de informações trazida pelos espíritos e resolvermos vivê-la no dia a dia da nossa encarnação, daremos uma grande contribuição pessoal para a nossa felicidade pessoal, pois os ensinos exarados nos diálogos entre Kardec e os espíritos estão carecendo ainda de uma verdadeira imersão existencial para produzirem os resultados desejados.
Desejando verificar a validade de tais lições, poderemos ainda partilhar nossos resultados e construirmos experimentos mais ricos e complexos em grupos de desenvolvimento do ser, gerando microcomunidades diferenciadas, capazes de mais intensamente influenciar seus integrantes, potencializando os efeitos de tais vivências.
Mesmo experimentando com sucesso tais aspectos da lei de Deus em caráter pessoal, não teremos explorado suficientemente o potencial da cosmovisão espírita, pois ela transcende o pessoal e o humano. Tornar-se homem de bem cultivando as virtudes cristãs é passo essencial em nosso projeto evolutivo pessoal que, até certo ponto, transborda para a sociedade.
Isto, porém, não esgota nossas possibilidades de progresso espiritual previstas pelo Espiritismo principalmente enquanto sociedade organizada. Nosso objetivo último deve ser a ascensão para a ordem dos espíritos puros co-criadores do universo. E como a finalidade condiciona o nosso esforço, precisamos estar atentos ao nosso modo de interpretar o que aprendemos sobre o Espiritismo a um conjunto de máximas morais que nos norteará no trabalho de nos conduzirmos como bons cidadãos, segundo parâmetros humanitários, embora, ainda assim, materialistas.
Recordemos que a proposta espírita propõe a supremacia do espírito sobre a matéria e descreve o mundo espiritual como primordial e não dependente essencialmente da vida material, e embora reconheça a existência desta, dá-lhe um valor secundário e transitório, um laboratório significativo, porém limitado para a manifestação do ser.
Por isto mesmo, a vivência espírita em sociedade deve também se concentrar em ampliar a acanhada perspectiva materialista, até hoje hegemônica no organismo social. Trata-se de realizar uma revolução paradigmática, substituindo a primazia da matéria, efêmera e limitada pela morte, pelo primado do espírito imortal, criação divina.
E, para realizá-la, exige-se uma consciência crescente do ser que somos, daí derivando profundas transmutações e criações na civilização. Para provocar a renovação social como preconizou Alan Kardec, em Sinais dos Tempos, no livro a Gênese, espera-se que o pensamento espírita, sem desperdiçar os ganhos do materialismo, traga para o cenário das atividades humanas, novidades compatíveis com o ser espírito consciente encarnado.
Em consonância com esta perspectiva, a Federação Espírita do Estado da Bahia escolheu esta temática para nortear seus projetos de unificação deste ano, que culminará com a realização do XV Congresso Espírita da Bahia, no período de 31 a 3 de novembro do ano em curso. Este evento será precedido de seminários locais, Encontros Macrorregionais para todo o estado da Bahia, visitas institucionais, divulgação na mídia e uma campanha de estímulo às vivências mais elevadas das leis morais. Assim, em fevereiro, adotaremos a virtude brandura e seus correlatos, como afabilidade, mansidão, e doçura para cultivo em nossas comunidades, e estudaremos vivencialmente nossa relação com Deus: a lei da adoração.
Todos estamos convidados a participar deste projeto de transformação da sociedade.
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